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Escola da Ponte

Conheça a Escola da Ponte pela visão do Professor André Dorta

O que é a Escola da Ponte?

 

A escola da Ponte é uma escola da rede pública de Portugal, onde, em meados da década de 1970, alguns professores se aperceberam repletos de muitas certezas e escassas dúvidas. E se questionavam: afinal, por que é que nós damos aulas tão bem dadas e há alunos que não aprendem? Quando encontraram a resposta, foram reelaborando a sua cultura profissional, gradualmente e com profundo respeito pelos jovens, sem tratá-los como cobaias de laboratório.

Como a educação é um direito de todos, foi assumido um compromisso ético com ela. Os professores elaboraram uma espécie de ”roteiro” de pesquisa atrelado ao projeto de vida profissional deles. Era preciso gerar autoconhecimento, cuidar da pessoa que há por trás do professor, para que, respeitando a própria dignidade, ele veja os outros educadores e alunos também com a mesma humanidade. Sem outras ferramentas tecnológicas, que não fossem a intuição pedagógica e o amor pelos alunos, foram desenvolvidas aquilo que, hoje, nós chamamos de “competências-chaves do século XXI”: interagir em grupos heterogêneos da sociedade e agir com autonomia, competências que, dificilmente, o modelo de ensino convencional logra desenvolver.

Decorridas quatro décadas de sua criação, a escola da Ponte não tem séries, ciclos, turmas, provas, ou outro resquício da escola do século XIX. Organiza-se em núcleos de projeto e faz avaliações formativas, contínuas e sistemáticas. Tal como faz o Ministério da Educação de Portugal, através de avaliações externas, no quadro de um contrato de autonomia. A última avaliação externa foi mais uma prova de que a Ponte é uma escola de excelência acadêmica e que promove a inclusão social.

Não creio que seja aconselhável instalar réplicas da Escola da Ponte no Brasil, mas, acompanho projetos brasileiros que, inspirados na Ponte, foram muito além dela. Com professores por quem nutro profundo respeito, ajudo a criar protótipos de novas construções sociais, que substituirão o modelo de escola que, em muitos lugares, ainda temos.

O que une a Escola da Ponte e esses projetos é a ruptura com uma tradição de educação hierárquica e burocrática. São escolas que ousam reconfigurar as suas práticas, que viabilizam uma educação integral para todos. Outra semelhança é o fato de essas escolas cumprirem, efetivamente, os seus projetos político-pedagógicos. Transformam-se com referência a uma matriz axiológica, a uma visão de mundo e de sociedade, que o Brasil merece e pode ter.

Por José Pacheco, educador e pedagogo português. É o idealizador da Escola da Ponte.

Fonte: https://www.entretantoeducacao.com.br/o-que-e-escola-da-ponte/?

 

Bem vindo à Escola da Ponte

 

Era preciso repensar a escola, pô-la em causa. A que existia não funcionava, os professores precisavam mais de interrogações do que de certezas. Concluímos que só pode haver um projeto quando todos se conhecem entre si e se reconhecem em objetivos comuns.
Apercebemo-nos que um dos maiores óbices ao desenvolvimento de projetos educativos consistia na prática de uma monodocência redutora que remetia os professores para o isolamento de espaços e tempos justapostos, entregues a si próprios e à crença numa especialização generalista. Percebemos que se há alunos com dificuldades de aprendizagem, também os professores têm dificuldades de ensino.
Obrigar cada um a ser um outro igual a todos, é negar a possibilidade de existir como pessoa livre e consciente. Na nossa escola todos trabalham com todos. Assim, nem um aluno é aluno de um professor mas sim de todos os professores, nem um professor é professor de alguns alunos, é professor de todos os alunos.
Hoje, a nossa Escola assenta na autonomia dos alunos.

Foto: Escola da Ponte

 

Projeto

 

A Escola Básica da Ponte situa-se em São Tomé de Negrelos, concelho de Santo Tirso, distrito do Porto.

A Escola Básica da Ponte é uma escola com práticas educativas que se afastam do modelo tradicional. Está organizada segundo uma lógica de projeto e de equipa, estruturando-se a partir das interações entre os seus membros. A sua estrutura organizativa, desde o espaço, ao tempo e ao modo de aprender exige uma maior participação dos alunos tendo como intencionalidade a participação efetiva destes em conjunto com os orientadores educativos, no planeamento das atividades, na sua aprendizagem e na avaliação.

Não existem salas de aula, no sentido tradicional, mas sim espaços de trabalho, onde são disponibilizados diversos recursos, como: livros, dicionários, gramáticas, internet, vídeos… ou seja, várias fontes de conhecimento.

Este projeto, assente em valores como a Solidariedade e a Democraticidade, orienta-se por vários princípios que levaram à criação de uma grande diversidade de dispositivos pedagógicos que, no seu conjunto, comportam uma dinâmica de trabalho e promovem uma autonomia responsável e solidária, exercitando permanentemente o uso da palavra como instrumento autónomo da cidadania.

Os Pais/Encarregados de Educação, à semelhança dos seus filhos e orientadores educativos, estão também fortemente implicados no processo de aprendizagem dos alunos e na direção da Escola. Os contatos são feitos sempre que necessário, através do professor tutor, que acompanha, orienta e avalia diariamente as atividades realizadas pelos seus tutorados.

A escola disponibiliza atividades de enriquecimento do currículo às famílias que necessitem que os seus filhos tenham um acompanhamento até às 17:15 horas.

Todos os alunos cumprem o mesmo horário. A equipe docente é constituída por elementos com formação diversificada (Educadoras de Infância, psicóloga, professores do 1º ciclo, 2º e 3º ciclos), que reúne todas as quartas-feiras e sempre que é necessário para debater problemas da escola, planificar e avaliar o trabalho.

A organização que esta Escola põe em prática inspira uma filosofia inclusiva e cooperativa que se pode traduzir, de forma muito simplificada no seguinte: todos precisamos de aprender e todos podemos aprender uns com os outros e quem aprende, aprende a seu modo no exercício da Cidadania.

Fonte: http://www.escoladaponte.pt/novo/


Minha experiência na Escola da Ponte

Por andré Dorta - Paulo de Faria-SP - Brasil

 

Meu primeiro contato com qualquer material que dissesse respeito a essa Escola foi em meados de 2008. Nas época eu cursava Pedagogia - UniCoc Ribeiraçao Preto, e em uma das disciplinas (Didática se não me engano) um professor pediu uma atividade sobre a Escola da Ponte. Já na exposição da aula o assunto chamou minha atenção, porque, depois, fui entender que eu nunca gostei do modelo tradicional da Escola a qual sempre fomos apresentados, e sempre desejei uma Escola que valorizasse as particularidades de cada aluno. Até então achava que isso era um sonho.

Li bastante sobre a Escola, me apaixonei ainda mais.
Ai acontece aqueles momentos da vida da gente que acho que Deus estava olhando diretamente para nós, rs.
Numa dessas minhas pesquisas, vi o endereço eletrônico da Escola da Ponte e pensei: que custa né?

Então escrevi um texto longo, falando sobre minha visão sobre a Educação, que estava fazendo um trabalho e queria conhecer mais sobre eles, porque tinha me identificado muito com aquilo que eles faziam.
Para minha surpresa, eis que veio a resposta, ainda me convidando para conhecê-los.
Confesso: desde lá fiquei tentado. Mas era apenas um sonho inalcansável. 
Fiz as atividades propostas, inteirei-me ainda mais sobre essa Escola, que passou a fazer parte do meu vocabulário pedagógico. Cada dia conhecia um pouquinho mais sobre ela.
E várias foras as vezes que estive bem impulsionado a ir. Só Deus sabe o quanto.
Até que em 2018 tive mais um contato. Mais um convite. 
Varrendo meus emails aintigos, eis que la estava o primeiro deles. Resolvi entrar em contato mais uma vez, e mais uma vez fui respondido.
Isso só podia ser um aviso: André meu filho, bate a mão no peito, acredita e vai.
E fui!
E lá fiquei por 3 dias, nos quais passei por experiências que nunca mais sairão da minha memória.
E é mais ou menos assim: esqueça tudo que te falaram da Escola da Ponte - é tudo mundo mais maravilhoso!
Desde minha chegada (cheguei atrasado pra variar), os dois senhores da portaria já me atenderam como se eu já fosse de casa há anos. sorriso largo nos lábios. 

Se um dia te disserem: portugueses não gostam de brasileiros, que mentira mais deslavada. Quem não gosta de brasileiro é o próprio brasileiro.
Olha que interessante. 

Na imigração, o senhor que me entrevistou me perguntou:

_ O que vens fazer em Portugal?

Enchi minha boca:

_ Vim fazer um estágio e conhecer a Escola da Ponte!
Ele continuou:

_ Tu vais conhecer a Escola da Ponte? Ouvi dizer que é uma Escola muito conceituada.
E aí o andrézinho finalizou:

_ Pois é! é por isso mesmo que estou aqui. Preciso conhecer isso de perto. Quero aprender bastante e levar isso pro meu povo. Eu sou apaixonado pelo trabalho deles.

Minha entrevista não durou 30 segundos. Passaporte carimbado, entrada garantida em Portugal. Achei mais um fã da Escola de cara.
Começou aí minha paixão por Portugal, porque pela Escola da Ponte eu já era apaixonado.

Enfim, quem me conhece sabe que não foi assim tão fácil.

Acordei bem cedo, e já saí todo animado pra conhecer logo a Escola. Tinha que estar lá as 11:00 e eu já estava angustiado.

Ai veio a minha primeira surpresa: ninguém sequer havia ouvido falar dessa tal Escola da Ponte. Meu coração quase parou!
Ver as pessoas olhando no GPS para tentar identificar o destino foi me desenvolvendo uma sensação gelada no estomago que quase congelei.

Eis que, emfim, me dizem:

_ Bom, diz aqui que é em Santo Tirso. Então você pega o Métro (é assim mesmo que dizem lá) e vai até a Estação de Campanhã, e lá vão te informar como vai fazer pra chegar a essa Escola.

E lá fui eu, todo empolgado.

Poucos minutos de Métro e lá estávamos em Campanhã. Lugar lindo. Se a Escola da Ponte fosse ali eu já estaria feliz.
Fui até o guichê de atendimento e perguntei, todo contente:

 

Foto: Estação Campanhã

Foto: Lado interno da Estação Campanhã

 

_ Como faço para chegar a Escola da Ponte?

_ Onde?

Meu espírito congelou.
 

_ Escola da Ponte. Me disseram que eu precisaria pegar o Comboio (trem) até Santo Tirso.

O senhor balançou a cabeça, desconhecendo.
Meu Deus! O que eu faço agora?

 

Foi aí que aprendi uma coisa muito importante em Portugal – quer saber qualquer que seja a informação, tome café!

 

Sabe quando a gente tem aquela sensação “putz! Andei tanto pra nada?” Eu não vou morrer na porta do cemitério.

Foi quando entrei em uma portinha pra tomar café, e perguntei pra senhorinha que estava atrás do balcão, assim que ela me serviu.

Foto: Lado interno da Estação Campanhã


_ Bom dia. Por favor, a senhora sabe como faço pra chegar à Escola da Ponte?

_ Bom dia. Hum! Vejamos. Escola da Ponte. Escola da Ponte. É alguma escola regular?

Tô até agora tentando saber o que é isso. Mas tudo bem. – Então respondi.

_ É uma Escola conhecida mundialmente. Ela é referência em Educação.

_ Bom, tem uma Escola aqui em Vila das Aves, deve ser essa.

Foi quando tirei o papel com o endereço da Escola do bolso e mostrei pra senhorinha. E ela completou.

_ Ah! Deve ser isso mesmo. Tu vais à estação e pedes bilhete para Vila das Aves.

Aquilo melhorou meu humor de uma maneira inexplicável. Agradeci e fui rapidamente (e novamente) à Estação. Já mais familiarizado com os paranauê, perguntei novamente

_ Bom dia, preciso de uma passagem pra Vila das Aves.
_ Pra onde?

Senhor, esse povo só pode estar de sacanagem comigo.

_ É que me informaram que a Escola da Ponte fica em Vila das Aves. Então quero ir pra essa tal Vila das Aves.

_ Aqui não temos nenhum comboio com esse destino.

Depois de um tempo, acho que compreendi porque eles não sabiam onde era nenhum dos nomes que eu passava. Acho (acho)   que não estavam entendendo o que eu falava. Só pode. Porque aí mistura mineirês com ignorantêis, de certo dá uma receita complicada de entender. Mas tudo bem.

Voltei pro café, mandei mais um pro peito e falei pra doninha:

_ Ali na Estação ninguém sabe onde fica essa tal de Vila das Aves não. – desanimado.
E a senhorinha:
_ Ora, pois. Como não. Estão loucos. Pois tem comboio direto para Vila das Aves. Tu fazes o seguinte. Procure um taxista e mostre esse endereço. Ele vai saber te informar melhor e aí tu explicas direitinho pro agente da Estação.

 

Estação Vila das Aves - São Thome de Negrelos

 

Agradeci mais uma vez a simpática senhora, e fui até ao ponto de taxi que ficava em frente a Estação. Chegando lá, já fui no primeiro taxista com cara de que Deus tivesse colocado a mão na consciência. Cumprimentei o senhorzinho e disse:

_ O senhor, com a graça de Deus, sabe como faço pra chegar nesse endereço?

_ Ah! Vila das Aves. Sim. Conheço.

Música para meus ouvidos.

_ É longe? Quanto tempo até chegarmos lá? O senhor pode me levar agora?

_ Ora pois, entre. Vamos lá. Aproximadamente uns 40 a 45 minutos.

Nem perguntei o valor. Isso nem vou dizer, porque já passei vergonha demais até aqui. Mas continuando...
Eu olhando toda hora no celular pra ver o horário. Nesse trajeto era um dos poucos que não tinha internet (Portugal tem internet gratuita e de qualidade em quase todo lugar), e aquele homem calado o tempo todo e eu angustiado (imagine eu 40 minutos sem conversar). E aquele senhor monossilábico, meu batimento cardíaco foi nas alturas. Até que vi a placa: Vila das Aves, e o senhor rumos para o destino indicado. Foi aí que ele disse:

_ Onde tu vais aqui em Vila?

Eu respondi:
_ Na Escola da Ponte. Uma Escola que é referência mundial.

_ Hum! Nunca ouvi falar. Mas aguarde um instante. – E parou o carro.

Deus só podia estar me testando. Só podia. Ele saiu do carro, foi até um ponto de taxi próximo onde estávamos parados, trocou algumas palavras com um colega (português conversando parece que ta tirando o outro pra briga), e voltou todo animado.

_ Estamos próximos.
E assim andamos mais alguns poucos quilômetros, e, enfim, paramos e ele disse a palavra mais bonita que eu queria ouvir naquele dia:

_ CHEGAMOS!

Foi quando olhei pra minha esquerda, e vi a imagem que nunca mais vai sair da minha cabeça, muito menos do meu coração.

 

Eu e a Escola da Ponte ao fundo - um sonho realizado.

 

E foi nessa calmaria que eu cheguei a Escola da Ponte. Acho que nunca fique itão apreensivo em toda a minha vida. Mas só a sensação de estar ali já fez valer a pena tudo o que passei pra chegar até lá.
Corri na recepção e lá havia dois vigilantes conversando, sorridentes.
Me aproximei e disse: 

_ Bom dia, estou um pouco atrasado. Mas tenho visita marcada para hoje.

O senhor me cumprimentou, dirigiu-se calmamente até uma lista que estava pregada em um mural, olhou, seguiu com os dedos e disse:

_ André?

Cheguei a arrepiar. Vou falar a verdade: até aquele momento eu não estava acreditando que estava realizando um sonho. E de repente tenho até meu nome escrito em uma listagem na Escola da Ponte. Isso pode não parecer nada, mas só Deus sabe o que eu passei pra chegar até ali. Ele me cumprimentou mais uma vez, abriu o portão e disse:

_ Tu vais seguir esse caminho e seguir até o último bloco. Lá chegando, basta dirigir-se à recepção que já o aguardam.

Em seguida estendeu a mão e me entregou o meu crachá de identificação dizendo: 

_ Seja benvindo! - Apontando para meu celular e acenando com a mão, negativamente.

Entendi: nada de fotos, nada de celular.

Então eu entrei, caminhei por alguns metros, e fui tomado por um sentimento tão forte que tive que parar por alguns instantes e respirar. De verdade. Lebrei de cada um dos meus amigos, professores, amigos professores, cada um dos meus amigos da graduação em Pedagogia, das aulas em que falamos bastante da Escola da Ponte, das pesquisas, dos livros, de tudo aquilo que eu havia visto e que me fez estar onde eu estava agora. Sou brasileiro, e o brasileiro além de não desistir nunca também não aprende nunca, e o dedinho coçou de vontade de filmar tudo e tirar um monte de fotos. Mas o anjinho que estava sentado no meu ombro direito balançou a cabeça e eu atendi. Não ia ser por conta de uma idiotice dessas que eu ia colocar tudo a perder né? Mas que deu vontade deu.
Andei então mais alguns metros, em que um filme ia passando na minha cabeça, até chegar em uma porta de vidro, de um bloco de uma formação de uma construção edificada em dois andares, pelo que pude entender, e alguém já me recebeu na porta.

Sim, eu estava na Escola da Ponte!

Ah! Pelo menos uma eu tinha que tirar né. 

 

Vamos ao que realmente interessa

 

Resolvi contar toda essa história, não só pra descontrair um pouco, mas também porque sei e senti na pele algumas dificuldades que algumas pessoas poderão passar. Portugal é um lugar fabuloso, entramos praticamente dentro de um livro de história, mas essa conversa de que a língua vai ajudar não é bem assim não. Então, no que eu puder ajudar a amenizar esse impacto, farei.
Enfim, estava eu com os meus dois pés fincados na Escola da Ponte. Dificil de acreditar, mas eu estava. E eu mesmo demorei um pouquinho pra entender a realidade.
Assim que cheguei na porta, alguém a abriu pra mim, educadamente.
Cumprimentei e me identifiquei, indicando que tinha uma visita marcada e o como eu devia proceder.
A senhora, simpática (porque éssa não é uma qualidade muito comum ao português não. Tenha certeza, simpatia não é muito o forte, mas isso não é um defeito, o brasileiro é que é dado demais), me indicou onde ir.
De cara já fiquei impressionado.
Uma professora, em pé, na frente de alguns alunos sentados em uma almofadas.

Ela gesticulava, apontava, dramatizava, isso tudo com um livro nas mãos. De repente apontava pra alguém e fazia uma pergunta. Esse (essa) logo respondia. E outros levantavam a mão.

Eu fiquei por alguns minutos observando. Lembrei de alguns professores amigos meus, magos da Educação Infantil. Me lembrei da Maria Helena Lucianelli e suas contações de história. Saudades!
Era incrível a forma com que essa mulher tomava a atenção daquelas crianças. Acredito eu que deviam ser do quarto ou quinto ano. Não me aprofundei muito, porque não queria atrapalhar. Mas estava apaixonado com o desenrolar daquela aula.

Foi aí que uma outra senhora (de forma alguma diga moça em Portugal) me indicou para seguir até um local onde tinha uma outra pessoa aguardando para fazer a visita.
Foi ai que chegou uma menininha, Catharina, loirinha, pequena, esperta. Olhos verdinhos verdinhos. Cabelo bem clarinho, que estava acompanhando uma outra turma.

Advinha: era a que eu devia estar também, mas cheguei atrasado.
Ela chegou, e uma senhora disse a ela que eu estava ali com visita agendada, mas que, pelo que ela tinha visto, a visita ja tinha encerrado.

Meu coração gelou mais uma vez. Com certeza Deus estava testando as minhas emoções.

Então Catharina disse, sorrindo.


_ Não tem problema. Eu o acompanho. Aguarde um instante por favor.

 

Ufa!

E foi encerrar a sua participação com aqueles visitantes, pelo que entendi naquele momento, eles foram responder um questionário. Ela despediu-se deles e veio ter comigo.


_ Olá, meu nome é Catharina, vou te apresentar a Escola. Me compreendes?

 

Ai, senhor! Uma criatura daquele tamanho com tamanha desenvoltura.

 

_ Sim, Catharina, eu te entendo. Só fale um pouquinho mais de vagar pra eu não me perder tudo bem?

 

Tudo bem nada, rs, acho que ela já estava tão acostumada com aquela rotina que ela continuou, quase que automática.Uma pena que não pude fotografar, filmar. Eu queria muito ter registrado aquele momento.

E ela continuou:

_ Sim, posso fazer isso - (quanto a falar um pouco mais devagar) - Certo. Me acompanhe. Esse lugar onde estamos, como podes ver, está a ter uma aula agora, e a professora está a falar para os alunos do quarto ano sobre algum assunto relacionado a aula que estão fazendo. Aliás, venha comigo que vou explicar como funciona.

Entao eu a acompanhei, hipnotizado. Ela era muito dinamica, desenvolta. De uma desenvoltura incomum para alguém daquela idade. Mais pra frente vou falar um pouco mais sobre ela.
_ Venha comigo. Aqui é o corredor das salas de aula. Nesse pátio encontram-se os alunos do primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto ano. Ah! Venha cá, deixe te mostrar uma coisa. E aqui no final desse corredor encontram-se os miúdos.

_ Quem são os miúdos Catharina?

_ Ah! Tá! Os miúdos são aqueles que chegaram agora sem nenhuma formação e precisam estar preparados para o primeiro ano entendes?

Foi o jeitinho bonitinho que ela encontrou pra me dizer que esses alunos são os iniciantes, praticamente uma pre-escola, rs.

_ Quando eles estão preparados eles vão para o primeiro ano. - completou.

Conforme fomos andando, eu prestando bastante atenção, impressionando com aquele pinguinho de gente me orientando com toda aquela desenvoltura. E ela foi me mostrando e apresentando tudo.
_ Então, aqui é o primeiro ano - disse, abrindo a porta - eles estão em aula agora.

Fechou a porta e fomos para a próxima.

_ Aqui são os alunos do segundo ano - disse, enquanto entrávamos na sala de aula.

O que eu percebi nessa primeira experiência. Entramos nessa sala e, pra minha surpresa, as salas eram interligadas pelo seu interior. Externamente pareciam salas de aula normais mas, por dentro, tinha um corredor que ligava todas as salas. Pelo que pude observar, porque vi 3 (três) professores em cada sala, cada sala de aula era composta por 3 profissionais, praticamente um em cada canto da sala. Não vi mais de 20 alunos dentro da sala.

Passamos para sala seguinte por dentro dessa sala do segundo ano. Ela ia abrindo gavetas, me mostrando documentos, avaliações, abrindo gaveta por gaveta.

O interessante é que os alunos na sala, acredito eu por estarem acostumados com esse tipo de visita, já não davam a mínima. E nós transitávamos de uma sala a outra sem o menor problema.

E ela foi me mostrando sala por sala e os objetivos de cada uma delas. Isso mesmo: em cada sala, havia um formulário, que ela me explicou pacientemente, em que os alunos colocavam os objetivos daquela aula, e faziam um relatório diário do que acontecia. Cada um deles.
Moral da história: as crianças chegavam, viam claramente os objetivos a serem cumpridos naquela aula e tinha total consciência do que e pra que iriam aprender aquele conteúdo.
Salas com poucos alunos, professores com suporte pedagógico, alunos comprometidos, objetivos previamente estabelecidos e bem claros. Preciso dizer mais alguma coisa?

Hoje, sempre que me perguntam o que eu achei da minha experiência na Escola da Ponte, eu digo que foi muito superior àquilo que eu esperava. Não é raro me ver falando sobre o que eu ví lá. Não tenho feito comparações, mas deixo bem claro que eu saí de lá maravilhado. Era nítido e claro a autonomia que as ações desenvolvidas nessa Escola desenvolvia nessas crianças.

E a maior prova disso era a própria Catharina, me mostrando e explicando tudo de uma maneira que eu mesmo teria dificuldade de mostrar depois. Acho que eles estavam tão acostumados com isso que a gente entrava e saía das salas como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

E assim foi durante todo o trajeto. Ela apontando, gesticulando, vez ou outra me perguntando se eu estava entendendo o que ela dizia. E eu já tinha chegado a um estágio do euforia tão grande que eu olhava pra ela vidrado. Apenas conconrdava com a cabeça.

Aí eu lembrava das coisas que havia lido, e acabava perguntando a ela. Eles acabaram estabelecendo uma rotina, de uma maneira tão automática, e ao mesmo tempo tão particular, que se tornou algo supreendente.

Cara, até onde eu entendi, eles faziam uma auto-avaliação diária. Tinham objetivos diários, metas a cumprir, tendo total autonomia no decorrer delas. Isso é fantástico.

Eis um texto que encontrei que demonstra bem isso que eu vi lá, literalmente:

 

Escola da Ponte

 

A Escola da Ponte é uma instituição pública de ensino localizada em Portugal, no distrito do Porto, e dirigida pelo educador, especialista em música e em leitura e escrita, José Pacheco. Lá, os alunos não são divididos em classes nem em anos de escolaridade. Portadores de necessidades especiais dividem o espaço com os outros alunos, sendo a biblioteca o local central da escola. Cada aluno e a maioria dos orientadores educativos são responsáveis por algum aspecto do funcionamento da escola e estes últimos acompanham todos os educandos e trabalham para que conquistem sua autonomia, compreendendo o porquê e o para quê estudar.

O estudo é feito em grupos heterogêneos e dinâmicos, mas ocorrem, também, individualmente e em duplas, cujo critério para formação é o interesse em comum. As crianças podem escolher o que estudar e com quem, e podem solicitar a ajuda de um professor, desde que façam por escrito um pedido de auxílio, deixando claro o que querem saber, o que já sabem e o que já fizeram para aprender. O educador se responsabiliza por orientar a pesquisa, que é feita, predominantemente, em livros e na internet.

Há, também, a caixinha de segredos, onde os alunos deixam recados, pedidos de ajuda, desabafos, dentre outros, sendo esta uma forma, inclusive, de resolver questões relacionadas à tão discutida indisciplina.

Para avaliação, feita de forma continuada, há vários instrumentos, inclusive a auto-avaliação. Planos de aula (o que pretende saber e como proceder); relatório constando suas descobertas e jornal, com a publicação dessas; ata de assembléia – que ocorre semanalmente e é composta por alunos, pais, profissionais de educação e demais agentes educativos para resolver os problemas da escola em conjunto; quadro de solicitações de orientação; disponibilidade para ajudar os colegas; comparação entre o plano de atividades e impressões do trabalho realizado no dia.

O aluno do Núcleo da Iniciação, primeira dos três ciclos da escola, é trabalhado a fim de aprender a: ser pontual, assíduo e zeloso por seus materiais e colegas; a cumprir suas tarefas, pedindo auxílio ao professor só quando realmente precisar; desenvolver sua criatividade e participação, com intervenções pertinentes; elaborar e atualizar seu plano de estudo; reconhecer suas falhas e acertos, nas auto-avaliações; pesquisar, resolver conflitos e se comunicar – oralmente e por escrito – de forma clara e coerente.

Desenvolvendo bem as atividades de grupo, pesquisa e auto-avaliação, a criança passa para o Núcleo da Consolidação, procurando cumprir o currículo nacional destinado ao primeiro ciclo do ensino básico de forma autônoma, consolidando suas competências desenvolvidas na primeira fase.

No terceiro e último núcleo, o do Aprofundamento, os alunos trabalham os conteúdos do segundo ciclo do ensino básico. Eles possuem total autonomia de seu tempo na escola, mas devem participar das aulas de educação física e de laboratório e podem fazer parte de projetos de extensão e de pré-profissionalização.

A maioria dos pais de alunos da Escola da Ponte já pertenceu ao quadro de educandos da escola. Muitos deles, hoje, são pessoas autônomas e de destaque em suas profissões.

E no Brasil?

Esta escola nada tradicional é fonte de inspiração para a Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, localizada na cidade de São Paulo, que, desde 2004, implementou um projeto democrático, e para a Escola Municipal Presidente Campos Sales, também em São Paulo, que começou mais recentemente, em 2008. Nestas, também, as crianças buscam sua autonomia, desenvolvendo o aprendizado por meio de projetos, com os professores – não só um no mesmo espaço - atuando como auxiliares.

Por Mariana Araguaia - Equipe Brasil Escola
Fonte: https://educador.brasilescola.uol.com.br/gestao-educacional/escola-ponte.htm

 

Vou agora comentar sobre a minha visão disso tudo, até aqui. E que entendo como a mais próxima da realidade, e das maneiras como a Catharina reagiu aos meus questionamentos. A criança chega, crua, despreparada, e nela, desde o início, é aplicada uma avaliação diagnóstica (e que me perdoem os estudiosos da Educação, pois foi a palavra que não saiu da minha cabeça hora alguma) identificando as fragilidades, as facilidades de cada um, intensificando sobre eles um olhar onde suas dificuldades eram trabalhadas para que a cada dia diminuíssem e suas aptidões, facilidades, sejam intensificadas, anplificadas...

_ Tá, Catharina, só pra eu entender. Quer dizer, então, que cada criança dessas têm uma competência pra ser estabelecidade e alcançada, uma meta, ao final do ano letivo. Mas o que acontece se o aluno se destaca e atinge esses objetivos, por exemplo, no meio do ano, superando as expectativas?
_ Sim
- disse ela com uma calma de dar raiva - acontece com frequência. Então eles são promovidos e avançam atrás de objetivos maiores.

Eu:
_ Tipo, ele está no primeiro ano e vai pro segundo ano, simples assim?

_ Sim! Como te disse, acontece com frequência.

Eu vi isso gente. Ninguém me contou não. Eu vi!
Próximo a acabar a nossa excursão do dia, juntou-se a nós uma autra amiguinha, bem maior, aparentemente de sala diferente da de Catharina, questionando-a se ela ja havia acabado e se precisava de ajuda, pois a outra já havia acabado seu "tour" com outros visitantes.

Sério gente. Apropriando-se de todo o meu inconsciente mineirês: tava acreditando nisso não!

Então Catharina informou que não havia nenhum problema ela se juntar a nós, apesar de nosso "passeio" estar quase concluído por aquele dia.

Eu estava com um arsenal de perguntas já que não estavam cabendo mais em mim. Mas melhor deixar pra depois.

Agora eu já estava mais familiarizado com o trajeto, mais aliviado. Chegar a Escola da Ponte já não é mais nenhum transtorno. Não cheguei ao ponto de cumprimentar as pessoas na rua, como fazemos na nossa região, mas de saber o nome da mulher da vendinha do café, Regina, isso sim.
Já estava mais aberto ao aprendizado, a novas descobertas.
Como disse, meu arsenal de questionamentos estava afiado.
E eu não via a hora de descarregar sobre aquela menininha todas as minhas dúvidas.


O dia era bem mais tranquilo. No saguão de entrada pude ver as crianças, acompanhadas de um professor, fazendo aula de artesanato: origami. Fiquei ali por alguns minutos, enquanto esperava a Catharina, impressionado com a paciência e a atenção daquela molecada. Mais uma vez, senti falta de tirar algumas fotos. Queria muito compartilhar isso, mas respeito. Deu uma vontade de participar com eles. Os dedos estavam coçando de vontade de fazer uns cestinhos de jornal, rs. Mas alí o foco eram eles. Estava ali pra aprender. E como estava aprendendo.
Então fui recebido mais uma vez por Catharina, e continuamos a nossa excursão.
Ela, pacientemente, me explicava os processos, o funcionamento da Escola.
Lembrei-me da Assembléia. Pelo menos era assim que eu ouvi falar, dos alunos na Escola da Ponte.


_ Catharina, ouvi falar que vocês fazem assembléias, não sei se é assim que pronunciam aqui. E que resolvem os conflitos de uma maneira diferente. Como funciona isso?

_ Sim, nos reunimos regularmente para tomas algumas decisões e resolver algumas questões da Escola, e temos aqui a caixinha de segredos também.

_ Caixinha de Segredos?
- Perguntei, espantado - Como funciona isso?

_ Os conflitos existem, acontecem. Sempre que alguém tem algum problema ou algo que os incomode, eles colocam dentro dessa caixinha de segredos. Mais tarde, nos reunimos e tentamos resolver essas divergências da melhor maneira possível.

_ Então existe bullying, brigas e divergências entre os alunos aqui também né? Afinal, criança é criança em qualquer parte do mundo.
 - Perguntei, sorrindo.

Ela sorriu de volta, mas rebateu.

_ Tentamos resolver as coisas de maneira onde todos cheguem a conclusão que beneficie a todos, e aprendemos com isso. Mas se, ao final de todas essas tratativas não resolver, os pais são chamados a Escola.

_ E com que frequencia os pais são chamados a Escola para resolver problemas dos filhos Catharina?


Ela parou, pensou um pouco, e respondeu.

_ Nós tentamos resolver todas as pendências da melhor maneira possível, então, difícilmente os pais vêm a Escola que não seja para participar de atividades com os alunos.

Surpeendente!

Existe muito material interessante sobre a Escola da Ponte na Internet. E hoje, quando guarimpo, conhecendo o que estou procurando, vejo muita coisa interessante e que reflete exatamente aquilo que eu gostaria de demontrar. Então, para que não sejamos repetitivos, em alguns momentos coloco textos que encontrei que demontram clamamente o que eu gostaria de dizer. Como esse:

Estudantes em assembleia. Foto: Divulgação


Escola da Ponte radicaliza a ideia de autonomia dos estudantes


“As crianças que sabem ensinam as crianças que não sabem. Isso não é exceção. É a rotina do dia a dia. A aprendizagem e o ensino são um empreendimento comunitário, uma expressão de solidariedade. Mais que aprender saberes, as crianças estão a aprender valores. A ética perpassa silenciosamente, sem explicações, as relações naquela sala imensa.” Foi assim que o educador Rubem Alves resumiu uma de suas muitas surpresas com a Escola da Ponte, uma instituição pública de Portugal que, desde 1976, compreende que o percurso educativo de cada estudante supõe um conhecimento cada vez mais aprofundado de si próprio e um relacionamento solidário com os outros.

Inserida no sistema público de educação e localizada no município de Santo Tirso (próximo à cidade do Porto), a Escola da Ponte não adota um modelo de séries ou ciclos. Lá, os estudantes de diferentes idades se organizam a partir de interesses comuns para desenvolver projetos de pesquisa. Os grupos se formam e se desfazem de acordo com os temas e a partir das relações afetivas que os estudantes estabelecem entre si.

 

Organização pedagógica

 

O processo individual de cada estudante passa por três núcleos distintos: o de iniciação, consolidação e aprofundamento. Na iniciação, ele é tutorado com maior frequência e passa a aprender as regras de convívio coletivo e os compromissos que assume com os demais e com o seu próprio processo de aprendizagem. Na consolidação, a necessidade de acompanhamento diminui, o estudante assume maior trânsito nos espaços e tempos da escola e passa a gerir de forma autônoma o currículo nacional destinado ao 1º ciclo do ensino básico. No núcleo de aprofundamento, as crianças e adolescentes assumem um comportamento bastante autônomo, participam do gerenciamento das suas atividades e de atividades do coletivo e assumem o estudo do currículo nacional do 2º ciclo.

Em vez de um único professor, os estudantes acessam todos os orientadores educativos, que os acompanham tanto nas questões de aprendizagem acadêmicas quanto comportamentais. Em vez de disciplinas, o projeto pedagógico é dividido por seis dimensões, apoiadas por docentes e pedagogos e psicólogos: linguística (Língua Portuguesa, Inglesa, Francesa e Alemã), lógico-matemática (Matemática), naturalista (Estudo do Meio, Ciências da Natureza, Ciências Naturais, Físico-Química e Geografia), identitária (Estudo do Meio, História e Geografia de Portugal e História), artística (Expressão Musical, Dramática, Plástica e Motora, Educação Física, Educação Visual e Tecnológica – E.V.T., Educação Musical, Educação Visual, Educação Tecnológica e T.I.C.), pessoal e social (Formação Pessoal, Ensino Especial e Psicologia).

Cada estudante escolhe ainda um tutor, qualquer indivíduo da comunidade escolar – funcionários, professores, pais -, que será responsável por orientá-lo no percurso pedagógico que ele estabelece para si mesmo.  Dessa forma, o aluno e seu tutor avaliam juntos como foi o processo de aprendizagem, se os objetivos foram alcançados, se ficou alguma dúvida e se a criança ou o adolescente está satisfeito com o que alcançou. No lugar de provas, o tutor e estudante estabelecem que mecanismo utilizarão para aferir a satisfação e se o conteúdo foi assimilado, em um processo bastante dialógico e em si educativo.

Segundo o projeto educativo, a escola tem como pedagogia o Fazer a Ponte, que visa a formação de pessoas autônomas, responsáveis, solidárias, mais cultas e democraticamente comprometidas na construção de um destino coletivo e de um projeto de sociedade que potencialize a afirmação das mais nobres e elevadas qualidades de cada ser humano.

Para tanto, a Escola da Ponte integra e corresponsabiliza todos os envolvidos da comunidade escolar na sua construção – o indivíduo se faz no coletivo e o coletivo se alimenta da singularidade de cada um.

 

Diversidade e currículo

 

Diverso, o público da escola reúne estudantes de diferentes classes sociais e muitos pais, inclusive, mudaram-se de outras regiões do país só para possibilitar aos filhos a chance de estudar na instituição. Da mesma forma, crianças e adolescentes com deficiências estudam no mesmo processo que os demais: participam dos grupos, vivenciam os processos de planejamento e autoavaliação e discutem as regras da comunidade.

Para tanto, a escola se fortalece em sua pedagogia, reconhecendo cada estudante como único e irrepetível, igualmente integrante de uma cultura, origem e estrutura familiar singulares.  Assim, a Escola da Ponte entende que o papel do docente, da comunidade escolar e dos estudantes é apoiar que cada indivíduo se descubra e se conheça, a partir da interação com os outros, com os diferentes. E, essa mesma descoberta é o que motiva o próprio desejo de aprendizagem.


Portanto, a ideia de currículo se estabelece de forma muito individual para cada estudante, em diálogo com o que ele – em sua unicidade – deseja descobrir sobre o outro e sobre o mundo em sua volta. Assim, a escola assume o currículo em uma dupla proposição: o currículo objetivo, que norteia e metrifica um horizonte de realização e o currículo subjetivo, que se estrutura no desenvolvimento pessoal, do projeto de vida de cada estudante. Para a pedagogia do Fazer a Ponte, só o currículo subjetivo (o conjunto de aquisições de cada aluno) é capaz de validar a pertinência e o sentido do currículo objetivo.

No processo de alfabetização, as crianças são convidadas a aprender frases inteiras, superando a lógica do beabá e da cartilha. Inspirados por Paulo Freire e pelo educador francês Célestin Freinet, a escola convida os estudantes a lerem por desejo, pela vontade de decifrar o código das palavras. Convidadas por histórias ou perguntas disparadoras, as crianças desenvolvem de forma autônoma a capacidade da escrita e leitura, cada qual no seu tempo, e no seu próprio ritmo de aprendizagem.

E, para viabilizar esse e todos os processos de investigação autônoma, os estudantes têm acesso a diferentes locus de aprendizagem e estudo, como na biblioteca – principal espaço da escola -, e nos computadores e internet. Da mesma forma, os estudantes gerem esses espaços de forma autônoma e decidem onde e como devem buscar a informação que precisam. Muitas vezes, quando a informação não está na escola, os estudantes são convidados a sair e investigar, em parceria com seus tutores, outras possibilidades e sua comunidade. Vão às bibliotecas públicas, às casas dos vizinhos, aos parques e praças da cidade – em qualquer lugar em que possam encontrar o aprendizado que desejam.


Decisões coletivas

 

Afim de garantir a autonomia como chave em todos os processos da escola, estudantes, pais, professores e funcionários participam de assembleias periódicas. Nas reuniões, que podem ser para discutir normas e regras coletivas ou a temática da festa de Natal, todos têm voz e podem se expressar e registrar seus apontamentos.

Os mais tímidos podem também acessar uma espécie de caixa de “segredos”, no qual deixam pedidos de ajuda, reclamações, vontades. A caixa é aberta e discutida no coletivo, sem expor aquele que escreveu a mensagem.

Para validar os processos e envolver a comunidade como um todo, a escola publica todos os documentos e realiza anualmente uma minuciosa autoavaliação, que se debruça sobre os profissionais, os estudantes e evolução da aprendizagem de cada um e sobre as decisões e processos democráticos. Com metodologia estruturada, a autoavaliação é um processo bastante significativo para a comunidade como um todo, que assume o tempo e a importância de refletir sobre si mesma.

 

Aluno-professor

 

Na Escola da Ponte, muitos dos professores foram alunos da escola e tornaram-se ávidos apaixonados pela proposta, reestruturando-a continuamente, ao passo que os tempos e estudantes se transformam.

 

Histórico

 

Até 1976, a escola fazia parte de um polo que concentrava mais outros cinco prédios escolares, entre escolas de educação infantil e do fundamental (antigas escolas primárias).

Nesse período, o país havia acabado de sair de uma ditadura de 48 anos e as escolas públicas se encontravam em altos níveis de precariedade. O grau de violência interna subia a cada dia, desmotivando e desmoralizando os profissionais da educação. O ensino, feito com base em manuais iguais para todos, era um dos causadores do desinteresse. Outro era a estrutura física do prédio escolar, que se encontrava em total decadência.

A equipe escolar passou, então, a questionar os problemas e deficiências daquela escola, identificando que ajustes não alcançariam a mudança esperada: era necessária uma verdadeira revolução pedagógica. E essa vontade de mudança encontrou eco nas ideias do educador José Pacheco, que, ao longo de sua vida como professor, não enxergava mais sentido nas aulas tradicionais nem no que chamava de fundamentalismo pedagógico.

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Foi assim que após inúmeras discussões a equipe pedagógica da Escola da Ponte resolveu abolir as séries, provas, salas de aulas e disciplinas, alicerçando sua proposta pedagógica para o exercício da autonomia e da liberdade. Antes visto como solitário, o trabalho do professor assume um caráter compartilhado, desenvolvido em conjunto com outros professores e com estudantes, que passam a desenvolver atividades de educação de pares, em um processo de troca e construção coletiva, em que todos aprendem e ensinam ao mesmo tempo.

Com o tempo, dado seus resultados, em 2008, a escola conseguiu tornar-se autônoma do Ministério da Educação e Ciência (MEC) de Portugal, por meio de um contrato vigente até o ano letivo de 2015/2016. Na prática, o contrato aponta várias metas à escola, a fim de compreendê-la como proponente de uma estrutura pedagógica capaz de inspirar outras instituições e quiçá reformular o sistema como um todo.

Fonte: https://educacaointegral.org.br/experiencias/escola-da-ponte-radicaliza-ideia-de-autonomia-dos-estudantes/

 

Hoje, vendo às vezes até mesmo os mesmos textos que já havia visto anteriormente, mas com a experiência vivida lá na Ponte, visualizo claramente cada situação, e a minha admiração cresce cada dia mais.

 

E de repente escuto uma sirene. e vejo as pessoas se organizando, pacientemente. Então olho para Catharine que, tranquilamente diz:


_ Alarme de incêndio.

Assim, nessa naturalidade.

_ Heim?

E saiu caminhando mais apressadamente pelo corredor e entrou em uma sala.

Então vi as crianças saindo de vagar de suas salas, com seus professores os orientando, pedindo calma, enquanto uma senhora dizia:

_ Isso não é uma simulação.

Enquanto isso as crianças iam formando a fila sala por sala, e eu tentando lembrar o que vinha depois do "Senhor é convosco". E via as crianças portadoras de algum tipo de necessidades especiais sendo retiradas primeiro, e as outras crianças se organizando em uma fila única, respeitando isso com tranquilidade.

Então eu pensei: Deus realmente só pode estar me testando.

Eu não sabia o que fazer, de verdade. Minha vontade era correr. Mas pra onde?

E percebi que tinha uma senhora do meu lado, tão assustada quanto eu, e perguntei a ela:

_ E agora, o que fazemos?

Foi quando uma professora, que estava a nossa frente com suas crianças, me respondeu:

_ Aguardem a saída dos miúdos, e depois façam o mesmo.

Que mesmo?

Fiquei observando como eles procediam. Sala por sala, iam formando uma fila indiana, que ia se encaminhando para uma escada ao final do corredor, bem devagar, e foram descendo os poucos lances. 

Assim que a última criança apontou no corredor, os "adultos" começaram a sair atrás, e eu lembrei de um ditado antigo, que ouvi em Paulo de Faria: quando ver um índio correndo, não importa porque, corra atrás: ou ele está correndo de uma coisa muito ruim ou está atrás de algo muito bom. E lá fui eu! E então vi as crianças se organizando, pela formação, acredito eu, qure por salas e classes ou idades, isso não pude compreender, e se sentaram no páteo da Escola, com os professores pedindo calma. A sirene ainda tocava, e uma senhora ainda dizia que não era uma simulação. Enquanto eu circulava a Escola com os olhos procurando sinal de fumaça e extintores. E torcendo pra que os bombeiros tivessem mais facilidade que eu pra chegar até ali.

Isso tudo não passou de poucos minutos. Até que alguém disse que estava tudo bem, e os alunos, um a um, foram se levantando, com cara de satisfeitos, soltando organizadamente para dentro de suas salas. E eu atrás igual uma galinha d'Angola. Pelo que entendi, isso fazia parte da rotina deles. Eles eram constantemente preparados pra esse tipo de situação, e não se apavoravam. Já eu não podia dizer o mesmo.

E volto pro Páteo com eles, e eis que alguém me toca no braço direito e diz:

_ Vamos continuar?

Era Catharina, e eu, tentando não deixar transparecer o susto que eu levei, mesclado com a surpresa de ver aquelas crianças todas enfrentando aquela situação apavorante com a maior desenvoltura e naturalidade possivel, ouvi uma outra professora, que provavelmente também estava visitando a ponte dizer:
_ Se é no Brasil, quem não tivesse morrido pisoteado teria sido jogado ou se jogado da escada.

De fato nisso tudo, é que, pelos lugares onde passei como aluno ou como docente, no Brasil, eu nunca vi ninguém sendo preparado para qualquer que seja o desastre, seja ele natural ou acidental. E, depois disso, passei a entender que isso é de extrema importância, porque a calma dessas crianças pode ser responsável por salvar-lhes a vida. As suas decisões acertadas podem ser a diferença, em uma situação de sobrevivência, entre a vida e a morte.

Passeamos por mais aluns locais da Escola, onde a menina ia me mostrando tudo, tintim-por-tintim, abrindo portas e gavetas, apontando, gesticulando. Tudo. E eu boquiaberto. até que ela me perguntou se eu estava satisfeito, se queria saber mais alguma coisa sobre a Escola, que sua jornada comigo ali tinha acabado e ela precisava voltar pra sala de aula.

Minha vontade era tirar um monte de fotos com ela, porque vocês precisavam ver isso. Eu ainda não estava acreditando que um "pedacinho de gente" daqueles era dotada de tamanha sabedoria e desenvoltura.

Ela então me pediu pra ir até uma mesinha posicionada no canto da parede, onde em frente alguams crianças faziam origami, e falou pra eu responder a um questionário, se eu pudesse. Eu respondi que sim. Ela despediu-se sem que eu tivesse tempo de dar-lhe um abraço e agradecer, e voltou pra sala de aula.
Acredito que aquilo seja tão natural pra eles, que eles não percebem o quanto a gente está tomado por um sentimento de emoção maoir que a gente. Afinal, eu estava realizando um sonho, que estava chegando ao final, mas estava. E fui vendo ela sumir no corredor até entrar em uma salinha.

Adeus Catharina. Ainda lembro da tua voz doce quando falo ou escrevo sobre você. E muito obrigado por ter participado de um dos momentos mais importantes da minha vida.

Nesse questionário, basicamente, perguntava de onde eu era, qual instituição representava (Associação Projeto Ambiental e Cultural Piracanjuba e UNIRP SJRPreto, lógico) e porque eu estava ali, e pra eu fazer um breve relato do que eu vivenciei ali, além de informações de contato. Eu demorei um pouquinho, porque eu não queria que aquilo acabasse. Mas havia terminado.

Fui me retirando vagarosamente, me despedindo de quem eu via pela frente, e saí. Fui caminhando lentamente, tentando digerir tudo aquilo que vivi naquele lugar. A organização das disciplinas, a avaliação, a democracia que transparentemente viamos em todos os lugares, com os alunos sendo o centro das atenções e participativos em todas as decisões, os professores, tudo. Meu muito obrigado!!! Passei pelo portão de entrada, onde os vigilantes me informaram como proceder pra chegar a Estação dos Comboios. Caminho que fiz a pé, bem devagar. Observando tudo que estava a minha volta. Rindo sozinho. Sim: eu estive na Ponte! E vou dizer, esqueçam tudo o que te falaram ou que você leu sobre a Ponte - é muito melhor!

Quem quiser saber um pouco mais sobre minha experiência lá, terei o maior prazer em contar e ajudar no que for possível. Passei a acreditar que tem jeito, que é viável, que não há receitas mirabolantes. Basta acreditar e tomar as decisões corretas, e realmente planejar. Temos muitos, muitos professores excelentes, que se tiverem condições de trabalhar, recursos, respeito, valorização, tenho certeza que a Educação será capaz de mudar a realidade do nosso país.



Por André Dorta